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domingo, 31 de maio de 2009

Um jeitinho vergonhoso



Quando ouvimos falar do “jeitinho brasileiro” é fácil vir a mente a malandragem, o talento pra conseguir usufruir de bens e situações que não seriam favoráveis. Este “jeitinho” remete a malandragem histórica do nosso povo. Uma malandragem na maioria das vezes é mostrada com orgulho, como patrimônio do povo brasileiro. Também entendido como esperteza, a idéia do malandro que se orgulha em dizer que pesca na prova, que não esperou muito porque furou a fila, que conseguiu um benefício porque tem um parente ou amigo no governo. O malandro que diz: ”odeio político ladrão”, mas que se estivesse no poder roubaria também. O cidadão heroicamente afirma que tem orgulho de ser brasileiro e por isso naturalmente faz uso do jeitinho, mas não percebe que esta “marca nacional” é um grande tiro no pé.

Na Restaurante Universitário da Universidade Federal do Piauí a fila para a refeição é um exemplo de como esse jeitinho muitas vezes já é tido como intrínseco do brasileiro. Neste ambiente acadêmico, o processo para comer mais cedo é simples: encontrar um amigo, cumprimentá-lo, achegar-se. É assim que o legítimo fura-fila consegue fazer sua refeição mais cedo. Na maioria das vezes, nem olham para o final da fila. Já prestam atenção em que será sua próxima presa. Ou seja, o parceiro que o levará mais rápido a bandeja do RU.

Jacionara Gomes diz que quando começou a freqüentar o RU respeitava a ordem de chegada. Porém, depois de um tempo, a estudante concluiu: “todo mundo fura, decidi furar também”. “Resolvi pensar em mim”, diz Jacionara, que é estudante de Pedagogia e que depois do almoço precisa correr para chegar pontualmente no trabalho. Sua colega, de mesmo curso, Natália Vieira, diz que só não fura “quando não dá”.

Nenhum dos estudantes entrevistados se mostrou indignado com a situação. Alguns, pelo contrário, acham “natural”, pois acreditam que faz parte da cultura brasileira. O estudante José Luis Campelo, diz que fura fila em qualquer lugar, basta ter oportunidade. “Faz parte da cultura brasileira. Como a cultura é dinâmica, o ato de furar a fila já não causa constrangimento como há um tempo.”, diz ele, que não precisa de desculpas como o horário de trabalho ou outras coisas a fazer para furar a fila.

Mas para que uns possam encurtar seu processo de espera, é necessário que haja os furadores de fila passivos. São os indivíduos que estão na fila e deixam que seus amigos se encaixem na sua frente. Um exemplo disso é o estudante de Filosofia Simplício Júnior. Ele diz que nunca pede lugar na fila para amigos, mas que se um amigo pedir para entrar em sua frente, ele deixa tranquilamente.

Uma das estudantes que estava na fila, Denise Nascimento, disse que aceita que furem a fila por que ela também o faz. Esta é a idéia da conivência com o jeitinho brasileiro. Muitos não se incomodam com outros que furam fila, que se corrompem, que se locupletam, simplesmente porque também fazem, gostariam de fazer, e se tivessem a oportunidade o fariam.

Se este jeitinho se resumisse a simples filas nos restaurantes universitários o o problema não seria tão sério. No começo deste ano foi deflagrado um escândalo em que o protagonista era o deputado Edmar Moreira, dono de um castelo que custa em torno de 25 milhões de reais e que não foi declarado no imposto de renda. O imóvel, que em muitos países seria motivo de vergonha para seus cidadãos, aqui no Brasil virou ponto turístico. Muitos queriam ver como aquele deputado se deu bem e até o invejavam.
Outro exemplo do tal jeitinho foi o escândalo das passagens aéreas, em que uma grande parte dos deputados federais utilizaram suas cotas de passagens aéreas, concedidas pelo governo para que o deputado possa se deslocar para sua base de apoio político, estavam sendo utilizadas por seus familiares, amigos e até sendo vendidas.

Deputados pagando empregada doméstica com verba de gabinete, filha de deputado utilizando o telefone funcional (pago pelo contribuinte) para bater papo em ligações internacionais, nepotismo. São alguns dos exemplos de jeitinho brasileiro que vistos como tal, têm uma punição leve.

A história do Brasil tem sido marcada por escândalos de corrupção. De fato, a corrupção não vai acabar, ela é inerente a todos os povos. E não é difícil de imaginar que nós, brasileiros, não somos os únicos ‘espertinhos’. No mundo, há muitos outros povos que também seguem a mesma linha de conduta individualista que seguimos. Todavia há lugares onde isso é minimizado. Por quais motivos? Talvez uma melhor eficiência da Justiça ou uma boa consciência coletiva. É difícil definir porque o jeitinho é um fantasma abstrato que nos rodeia, porém é fácil ver como ele nos traz problemas bem concretos.

Podemos ver assim, que aquele velho papo de que os valores estão invertidos – ou subvertidos – fica ainda mais presente. Policiais, políticos, funcionários públicos, em geral, que são pagos pelo povo brasileiro e para servirem ao povo brasileiro e que deveriam ser exemplo, muitas vezes não resistem ao poder e ao dinheiro público que vêem em suas mãos, não resistem à vantagem que irão conseguir caso se corrompam. A sociedade por sua vez, é tão materialista que ignora a ética, a moral e outros valores que aparentemente não trazem a ela benefícios diretos.

A diferença entre o jeitinho brasileiro e o “jeitinho internacional” é que agregamos essa malandragem como característica cultural do Brasil, assumindo uma postura diferente e orgulhosa de detonar os outros, que somos nós mesmos. E a política? Nesse caso a situação piora quando notamos que os governos – ou detentores do poder, de uma forma geral – são tão desregrados quanto nós. Aí, o mau exemplo da política torna a sociedade um caos, onde as pessoas burlam leis por uma questão, digamos, de sobrevivência moral.

Considerar que só porque diversos políticos roubam ser uma explicação razoável para exercer o jeitinho, mesmo em coisas menores do que superfaturar uma ambulância, materiais de construção e outros serviços para o governo é mergulhar de cabeça em um círculo vicioso do qual ninguém quer intervir, todos querem participar e muitos sofrem com isso.

Se o jeitinho brasileiro se resumisse a habilidade que alguns têm de driblar a tristeza, de pegar um ônibus lotado, de acordar as três da manhã para abrir a “banquinha” de café na praça e voltar pra casa a tempo de preparar o almoço dos filhos e dar conta de fazer faxina em outras casas. Se o jeitinho brasileiro fosse a capacidade de, mesmo desempregado, o brasileiro conseguir de forma criativa e honesta, ganhar seu sustento e o da sua família. Aí sim, este jeitinho seria motivo de orgulho.

Porém, na atual conjuntura, ter orgulho do jeitinho é apoiar toda a situação presente que nós mesmos vemos que nos prejudica. Sabemos que roubar uns milhões é diferente de fila, mas as ambas as situações estão no mesmo patamar ético, partiram de uma mesma iniciativa extremamente egoísta. Como já diria o professor Ítalo de Paula, “viver na surdina, burlar as regras, fazer vista grossa às normas e muito mais podem até dar um gosto de aventura, entretanto deve-se perceber que exaltar o individual em detrimento do coletivo é uma forma ignorante de suicídio”. Sem notar, a sociedade vai puxando a corda que irá enforcá-la.

2 comentários:

Fernanda Dino disse...

eu não conhecia seu blog... já linkei no meu! gostei! =)

Unknown disse...

Nossa seu blog esclareceu varias duvidas...
gostei à beça....