
“Ela me responde, me manda calar a boca e ir a merda, pode?. Aquela moleca...eu não soube dar educação, e os filhos dela são do mesmo jeito. Nem de vó me chamam, vai te lascar é o que sai de mais bonito da boca daquelas pestes”.
Já estava meio que cochilando quando comecei a ouvir esta conversa ao meu ouvido. Percebi que vinha de uma Maria que sentada no banco de ônibus logo atrás de mim falava em alto e bom som de sua vida. A voz era forte, mas às vezes era abafada por uma buzinada mais desaforada na rua, ou quando o motorista engatava outra marcha.
Era a terceira vez na semana que eu saia de casa com o curriculum na mão, de roupa “séria”, maquiagem e cabelo arrumado. Arranjar estágio não é fácil, depois de formada então... o que será de mim.
Enquanto o querido amarelão rodava pelas ruas de Teresina eu ouvia a história de mais uma Maria solteira que sustentava filhos e netos, sempre ouvindo desaforos de todos, mas que não deixava de ir ao forró no domingo. “Tem que ser cedo, porque se não na segunda minha patroa briga porque eu fico dormindo pelos cantos. Beber pra se acabar, só no sábado. Aí ninguém me segura!”. Era o que ela dizia em alto e bom som.
O motorista dá uma freada e a Maria esbarra com a mão no meu ombro. Por quase um segundo quis olhar a figura de quem a vida eu já sabia inteira, até do Tião que a havia deixado com a “puta da minha filha, que eu acho que é sapatão” na barriga, depois de uma surra de cabo de rodo com intenção de causar um aborto “natural”. Mas baixei a cabeça e preferi me conter para que ela ficasse mais a vontade e eu pudesse conhecê-la melhor. “Sapatão!” assustou-se a amiga de Maria ao ver a mãe falando assim da sexualidade de sua filha. Mas logo depois concordou. “Realmente, ela nunca teve namorado sério, é toda desajustada. Eu já desconfiei disso, mas não ia te contar né amiga, ela é tua filha.”
As duas combinaram de descer uma parada antes da minha. Foram embora e certamente todos do ônibus, ou ao menos os que estavam mais próximos, olharam pra trás e tentaram ver Maria, de quem a vida tanto já conheciam.
Desci na minha parada e... o que eu ia fazer mesmo? Já tinha esquecido o texto que eu sempre falava em entrevistas de estágio e tampouco lembrei de retocar a maquiagem ainda no ônibus.
Fiz um vídeo-curriculum, recebi mais um “Muito obrigado e aguarde contato”, entrei no amarelão e não mais vi Maria.
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